domingo, abril 15, 2018

Surgimento e formação do fascismo russo no Brasil

Após a implementação do regime comunista na Rússia soviética em 1917-1920, a parte considerável dos seus oponentes foi forçada à deixar o ex-império e emigrar. Parcialmente, esta emigração, formada por forças monárquicas russas, abraçou, nas décadas de 1920-1930 a ideologia fascista e nacional-socialista. 

Na década de 1920-1930 as organizações monárquicas e paramilitares russas, espalhadas no mundo, incluindo na América Latina (ROVS; RNSUV; Mladorossi, entre outras), gradualmente aderiram à ideologia do fascismo russo, sonhando com a futura Rússia fascista, à semelhança da Itália ou Alemanha nazi.

No Brasil, tal como em toda América Latina, os fascistas russos estavam sob forte influência do fascismo russo formado na China (cidade de Harbin) e nos EUA. As primeiras organizações fascistas russas foram criadas em Harbin em 1925 e 1926-27: a Organização Fascista Russa (RFO) e Oposição Operária-Camponesa de Cossacos – Fascistas Russos (RKKO-RF).
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Na década de 1930, as organizações fascistas e paramilitares da emigração russa, ganham maior apreço pela ideologia naciona-socialista alemã. Em 1931, em resultado da formação do Partido Fascista Russo (RPF), este chega à América Latina. A estrutura habitual do partido incluía células (organizações primárias, compostas por 2 à 5 membros) que se fundiam em unidades maiores – “focos” ou departamentos. Por exemplo, mais tarde os fascistas russos do Brasil abriram os novos “focos” na Argentina e Uruguai.

Nesta década em São Paulo foram publicados três jornais russos da linha fascista: «Prizyv» (Apelo; 1936–1938), «Mladorossiyskoe slovo» (Palavra dos Mladorossi, 1934-1938; passando se chamar em 1938-1940 de “Slovo” (Palavra).
Semanário "Slovo", publicado em São Paulo em 1938-1940
Em junho de 1937, o líder dos fascistas russos em Harbim, Konstantin Rodzaevsky, escrevia com um grande otimismo: “Nash Put” de Harbin, “Sinal” parisiense, “Rossija” nova iorquina, o “Prizyv” brasileiro – entendem-se, meia-palavra lhes basta e sem combinar entre si, mantêm a mesma linha geral” [fonte]
Konstantin Rodzaevsky (no meio com as palmas das mãos cruzadas), Harbin, final da década de 1930
Em 1933, nos EUA foi criada a Organização Fascista de Toda a Rússia (VFO). O ramo do fascismo russo no Brasil jurou fidelidade ao líder do grupo, Anastasy Vonsiatsky, embora mantendo na sua ideologia a retórica anti-semita e antimaçónica, usada mais nas organizações fascistas russas formadas na China.
Anastasy Vonsiatsky, na sala de armas do partido, EUA, final da década de 1930
O líder dos fascistas russos no Brasil (que contavam com cerca de 100 membros) era Nikolay T. Dakhov (que costumava assinar como N. Dachoff), empresário, proprietário e editor do jornal fascista russo “Russkaia Gazeta” (Jornal Russo), publicado em São Paulo ente 1927 e 1935. No Rio de Janeiro o seu grupo era comandado pelo coronel Leonid Sviatopolk-Mirsky. Como reconheciam os próprios ativistas do movimento fascista russo, as grandes movimentações começaram quando eles receberam a 1ª edição do jornal  «Fashist» (publicado nos EUA desde agosto de 1933 com a tiragem de 2.000 exemplares e proibido pelo FBI em julho de 1941) – órgão central da VFO.
Em 1 de abril de 1934 na cidade de São Paulo, decorreu a primeira reunião pública (em alguns materiais chamada de Congresso) do setor brasileiro da Organização Fascista de Toda a Rússia, cujos participantes eram em sua maioria ex-militares russos (radicavam cerca de 1.000 em São Paulo e cerca de 2.000 em todo Brasil). O Congresso contou com a presença do representante do “amigável” NSDAP. Na reunião foi estabelecido o fardamento de fascistas russos no Brasil (camisa verde com um colarinho e gravata preta, na manga esquerda acima do cotovelo – a suástica preta sob o fundo amarelo, e acima de punho – uma insígnia bordada que indicava a sua posição na organização; calças pretas por cima de sapatos, cinto de couro e sapatos pretos).

Os fascistas russos adotaram a bandeira tricolor branca-azul-vermelha, da seda, em forma de atual bandeira russa, no seu lado superior estava bordada uma águia bicéfala de ouro com uma suástica tricolor no peito, no lado reverso da bandeira estava a cruz ortodoxa bordada de 8 pontas [fonte].
A cruz ortodoxa de 8 pontos, usada no emblema da 
SS Sturmbrigade (Brigada de assalto) RONA (brigada Kaminski)
O igumeno (abade) Mikhei (Leonid Ordyntsev-Kostritskii), reitor das igrejas ortodoxas de Rio de Janeiro e de São Paulo (na Vila Alpina), abençoou os fascistas russos do Brasil na “batalha vitoriosa contra os opressores da Rússia”.

As posições da Igreja Ortodoxa Russa no Estrangeiro (IORE/ROCOR) eram favoráveis ao fascismo russo, assim, o dirigente máximo da IORE na América Latina, protoiereu Konstantin Izraztsov (1865 – 1953) descrevia o fascismo russo como um movimento patriótico, esperando que «o fascismo unirá o povo russo no exílio e realizará a grande causa de libertar a Pátria da internacional comunista» [fonte].

A imprensa fascista russa do Brasil
Coluna "Fascismo no Brasil" | publicidade do jornal "Fashist"
O líder dos fascistas russos do Brasil, Nikolay Dakhov, apostava na propagação de ideias fascistas entre a comunidade russa residente no país, usando o seu jornal, “Russkaia Gazeta” e revista «Vestnik» (Mensageiro). O jornal também publicava os complementos especiais dedicadas aos militares, mladorossi e à igreja ortodoxa russa.
Complemento especial "Luta pela Igreja"
O jornal era publicado na ortografia russa “czarista” (pré-1917) e continha diversa propaganda fascista e anti-semita, críticas da Europa liberal e dos EUA “dominados pelos judeus”, exortação dos regimes políticos dos estados de Eixo: Itália, Alemanha e Japão. O jornal conseguia angariar bastante publicidade paga, publicando anúncios comerciais dos particulares e das empresas, por exemplo do Banco Germânico, das casas/lojas Pernambucanas, da Companhia City, da cooperativa Vil(l)a Zelina, entre outras.
Apesar de que o jornal do Nikolay Dachov (Dachoff) não escrever quase nada sobre Brasil e menos ainda sobre a política interna brasileira, ele e um dos seus editores, Sergey Uspensky ficaram duas vezes presos pelas autoridades brasileiras. Em 1930 ambos passaram duas semanas na cadeia, o que se repetiu em 1932 [fonte].

Além do setor brasileiro da VFO, nas décadas 1920-1930 no Brasil também eram ativos os mladorossi, um outro grupo emigrante russo (que tentava unificar o monarquismo russo com ideia do poder dos sovietes, usando o slogan “Czar e Sovietes”), próximo às ideias protofascistas. Em 1934-1938 o grupo publicava o semanário “Mladorosskoe Slovo”, que em 1938-1940 passou se chamar de “Slovo”. O seu editor era tenente da armada imperial russa Vladimir Ryuminskiy (1895?-1970).
Artigo exortando a entrada do Exército Vermelho na Galiza Ucraniana em 1939 e
assustando os leitores com a suposta "guerra civil entre os ucranianos"
Diferentemente, do abertamente fascista “Russkaia Gazeta”, as publicações “Mladorosskoe Slovo” e depois “Slovo”, não costumavam usar nas suas páginas a palavra “fascismo”, nem exortavam os regimes do Eixo. Os jornais brasileiros pertencentes aos mladorossi (que usavam a ortografia pós-1917, introduzida pelos bolcheviques), continham relativamente pouca publicidade comercial e eram mais “magros”. No entanto publicavam muita informação sobre União Soviética, a descrevendo nos seus artigos em tom neutro e muitos vezes mesmo bastante positivo, escrevendo exaustivamente sobre o as “comunidades russas” do “mundo russo”, à onde incluíam Belarus, partes da Eslováquia e dos Países Bálticos, além da Ucrânia.

A ideologia fascista russa do Brasil

Os fascistas russos no Brasil faziam questão de notar que seu programa não é uma “simples cópia” dos programas dos fascistas italianos e dos nacional-socialistas alemães, “se refratando, em grande parte, pelo prisma da historicidade russa e da identidade nacional russa, com ênfase especial na profunda religiosidade” [fonte].

A intensificação da atividade de disseminação de ideias fascistas no Brasil também pressupunha a produção de literatura propagandista sobre o fascismo russo. Assim surgiu um posto especial do chefe do departamento de propaganda política da sede do setor brasileiro do VFO, ocupado pelo vanguardista V. G. Tomashinsky (muito possivelmente o marido da pianista e educadora Camila Tomashinsky de Araçatuba), um dos fundadores do fascismo russo no Brasil. O lugar principal na propaganda fascista ocupava a ideia de distribuição de publicações impressas (jornais, revistas, panfletos políticos, ordens do seu comité executivo, etc.) entre emigrantes russos e o seu envio clandestino à URSS.
Texto exortando o fascismo assinado pelo V. Tomashinsky
A ideologia e propaganda dos adeptos do fascismo russo no Brasil eram dominadas por anti-semitismo e anti-maçonaria. Coronel V. N. Antipin na sua intervenção “Fascismo e Judaísmo maçónico” no 1º Congresso dos fascistas russos declarou: 

Judeus governam o mundo nas costas dos governos governantes da Europa e da América, exceto Alemanha e Itália <…> A maçonaria mundial, oculta pela tarefa hipócrita de aperfeiçoamento moral de seus membros com base na fraternidade universal e igualdade, realiza de facto a tarefa de dominação dos judeus sobre cristãos desenvolvidos do mundo” [Russkaya Gazeta, № 406 de 10 de fevereiro de 1934].

Os fascistas russos do Brasil entendiam a importância de propaganda para a disseminação das suas ideias, mas exageravam claramente o grau de atividades da sua organização e muitas vezes sobrepunham o desejado à realidade. Por exemplo, afirmavam, que só entre 1933 e 1934, a organização enviou à União Soviética 50.000 cópias de “Russkaya Gazeta”, e que os seus principais leitores na URSS eram “clubes da [juventude comunista] Komsomol, kolkhozes e sovkhozes, marinheiros, operários ferroviários e portuários” [fonte].

No entanto, e apesar dos esforços empreendidos, os adeptos do fascismo russo no Brasil não conseguiram obter apoio em massa para suas ideias entre os emigrantes russos. A guerra nazi-soviética assinalou ainda mais a divisão entre a emigração russa que se dividiu entre “oborontsy” (defensores), os que desejavam a vitória da União Soviética e os chamados “porazhentsy” (derrotistas) que, pelo contrário, esperavam o colapso do sistema soviético e a oportunidade de retornar à sua terra natal.

A propaganda fascista, nacional-patrioteira e anti-semitismo não contribuíram para a popularidade das organizações fascistas russas no Brasil, mas levaram à divisão política da emigração russa no país, principalmente no decorrer da II G.M., e foi uma das causas do conflito nas suas fileiras.

Embora o tema merece um estudo mais alargado, é possível afirmar que as organizações fascistas russas do Brasil e as suas publicações, assim como todos os outros partidos políticos brasileiros, foram extintos na sequência da instauração do Estado Novo, efetivado em 10 de novembro de 1937 pelo então presidente Getúlio Vargas.

Fonte @Marina Moseykina, “Fascismo e colaboracionismo na emigração russa na América Latina (1920-1950)”
Blogueiro: no entanto, mesmo após o fim da II G.M., já nas décadas de 1960-1970, o fascismo russo no Brasil ainda possuía alguma estrutura logística e aderência ideológica. Assim, em 1963, em São Paulo, foram publicados dois livros de memórias do Anastasy Vonsiatsky – “Redenção” e “Guilhotina Seca: Justiça Americana nos Tempos de Roosevelt”. É de notar que “Redenção” (Rasplata) teve a sua 2ª edição. O que significa que este tipo de livros (ambos produzidos na tipografia da revista ortodoxa monárquica russa “Vladimirskii Vestnik”/“Príncipe São Vladimir”, publicada em 1948-1968 e subordinada à IORE), ainda tinha no Brasil algum número de leitores cativos.

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