quarta-feira, maio 16, 2018

Logística militar soviética no Afeganistão (11 fotos)

Apesar da sua participação, desde 1945, em mais de uma dúzia de guerras e conflitos regionais, a União Soviética não estava preparada para a guerra no Afeganistão. URSS possuía bastantes blindados, helicópteros e aviões, mas a sua logística militar desconseguia fornecer aos militares calçado ou alimentos adequados e em número suficiente.

Paradoxo muito caraterístico para os países de economia planificada. Os jornais propalavam aos quatro ventos a quantidade do aço fundido ou cereais colhidos na safra, mas nas lojas no interior, muitas vezes não havia nada à comprar além de broa, querosene, fósforos e cigarros mais baratos.

01. O tipo da guerra soviética no Afeganistão

A guerra afegã foi uma guerra de pequenas unidades, muitas vezes não excedendo o tamanho do pelotão e muitas vezes sem a participação de quaisquer equipamentos militares pesados. Os combates decorriam nas áreas montanhosas, entre as estradas, vales e desfiladeiros – onde os blindados eram bastante inúteis por causa da impossibilidade de manobras e onde eram alvos fáceis de mísseis antitanque e até de RPG.
Os objetivos militares soviéticos era a colocação de pontos de controlo e postos de segurança na entrada de localidades, monitoramento e acompanhamento do transporte de carga, a corte dos canais de abastecimento dos mujahidines, operações de “limpeza” e de contraguerrilha. Os mujahidines, por conseguinte, tentavam impedir estes movimentos – atacando os postos avançados, colunas com combustível e carga, organizando as emboscadas e minando os caminhos e estradas.

De uma maneira bastante realista a guerra no Afeganistão é mostrada no filme italiano-soviético, que recebeu o título internacional de “Afghan Breakdown” (1991):
"Afghan Breakdown" com ator italiano Michele Placido no papel do major Bandura 
Muitas operações soviéticas eram efetuadas pelas tropas aerotransportadas (VDV), na base das unidades de pára-quedistas eram formadas as unidades das forças especiais – as suas tarefas principais eram inteligência, acompanhamento e proteção de colunas de abastecimento. As unidades de infantaria motorizada, blindados e outros também estavam presentes no Afeganistão, mas na maior parte, ou participaram em grandes operações ofensivas ou faziam proteção de pontos estratégicos, como oleodutos, estradas, sistemas de irrigação, localidades, assentamentos, etc.

2. Calçado, fardamentos e equipamentos individuais

Desde os primeiros dias da guerra afegã, ficou claro que a URSS não estava realmente pronta para essa guerra, não possuindo a roupa, calçado ou equipamentos para conduzir operações de combate nesta área. Durante as décadas de 1960-1970, no auge da guerra fria, URSS estava se preparando para “libertar a Europa do jugo do capitalismo”, e para esta tarefa se preparava o exército soviético – União Soviética produzia muitos tanques e blindados, as batalhas pensavam-se à decorrer na planícies da Europa ocidental.

A guerra no Afeganistão foi bastante diferente – os militares soviéticos estavam combater em climas extremamente quente, em terrenos montanhosos, e muitas vezes de forma completamente independente – tiveram que carregar as suas armas e equipamentos, algo que a logística soviética não estava preparada à fazer. Por causa disso, os militares soviéticos tiveram que improvisar e fabricar os seus próprios equipamentos.

Calçado

As botas de lona soviéticas (calçado da II G.M.) e mesmo as botas mais curtos, que apareceram mais tarde, eram de pouca utilidade para o clima quente e terreno montanhoso – os militares tentavam usar em combates as sapatilhas ou tênis. Sapatilhas ou eram de fabrico estrangeiro, por exemplo, “Puma” e “Nike” que eram comprados ou trocados nos bazares (para isso o militar soviético tinha que “arranjar”, isso é, roubar, alguma coisa na sua unidade militar, dado que não recebia praticamente nenhum salário) ou então, simplesmente eram saqueados em caravanas interceptados. Os militares soviéticos também usavam sapatilhas soviéticas: “Kimry” ou “Adidas soviético” (em 1979, a Fábrica Experimental de Artigos Desportivos de Moscovo comprou a licença de fabricação de um único modelo de sapatilhas/tênis “Adidas”, de cor azul e com três faixas brancas que imediatamente se tornou o verdadeiro objeto de culto entre toda a juventude soviética).

Sapatilhas / tênis eram perfeitos para o quente clima afegão – no entanto, rapidamente rebentavam, devido às pedras afiadas e espinhos nas trilhas de montanha. “Adidas” soviético era bem resistente, porque era feito de camurça grossa.
"Adidas soviético"
Curiosidade, mas estas sapatilhas/tênis Made in Belarus, conhecidas em forma de meme como “tênis de Lida”, são praticamente a réplica exata do “Adidas soviético”.
"tênis de Lida"
Além de sapatilhas, os militares soviéticos no Afeganistão poderiam usar os sneakers soviéticos “Duas bolas” – mas estes tinham a sola mais fina e mais fraca, concebida para os treinos no salão e não para uso nas montanhas rochosas.
O uso de sapatilhas / tênis no Afeganistão também poderia reduzir o grau de lesão se o militar pisasse a mina. Se a mina era pisada com sapatilha/tênis leve, o militar poderia perder apenas o pé, se a mina era pisada com a bota pesada, muitas vezes o militar poderia perder toda a perna, desenvolver a gangrena, e eventualmente perder a perna acima do joelho...

Fardamentos individuais

Especialmente nas fases iniciais da guerra soviética no Afeganistão, a URSS não possuía o fardamento adequado para o clima quente – tudo que foi produzido na União Soviética usava o tecido grosso, impróprio para aquela região. Apenas perto de 1982-1983 exército soviético começou fornecer aos seus militares fardamento mais ou menos decente – padrão “afegão”, com muitos bolsos, que usava o tecido é mais leve, chapéus com abas tipo “panamá” e os botões cobertos com uma tira de pano (para não os arrancar facilmente).
As unidades das forças especiais eram equipadas um pouco melhor do que a infantaria, eles possuíam a escolha variada: padrão “afegão”; padrão “gorka” (com capuz, feito de um tecido de tenda fina), padrão KZS (fardamento de malha protetora), conhecido como “setka” (rede):
Segundo os regulamentos militares soviéticos, o fardamento KZS era fornecido às unidades de proteção química, destinado ao uso único (descartado e incinerado após o seu uso) em áreas contaminadas, mas era muito apreciado e usado (por ser bastante leve) no clima quente do Afeganistão. Devido ao uso de fardamentos de padrões diferentes, as unidades militares soviéticas no Afeganistão por vezes pareciam as unidades mercenárias.

Equipamentos individuais

Nas fotos dos militares soviéticos no Afeganistão, especialmente aquelas em que a unidade é fotografada com equipamentos de combate, é possível ver diversos equipamentos individuais, feitos pelos próprios militares. A indústria militar soviética fabricava os blindados aos milhares, mas não conseguiu produzir algo tão simples como o colete de descarga.

Na foto em baixo — os coletes de descarga, fabricados pelos próprios militares soviéticos.
Os coletes de descarga no jargão soviético eram chamados de “sutiãs” e muitas vezes eram fabricados por conta própria – usando frequentemente os coletes de natação do exército. Estes coletes tinham seções (enchidos com algo parecido com espuma plástica), que se ajustavam bem ao tamanho de carregadores para AK, e depois de um pequeno refinamento se transformavam em um colete de descarga. No final dos anos 1980 a URSS começou produzir os seus próprios coletes de descarga “Poyas-A” e “Poyas-B” (Cinto-A e Cinto-B), mas estes não se tornaram muito comuns, de acordo com a visão do comando do exército soviético, os militares deviam usar, para transportar os carregadores e outros itens, as bolsas antiquadas da época da II G.M.

O mesmo se aplicava aos cintos – o cinto padrão militar soviético não era adequado para o Afeganistão – com bolsas penduradas poderia se abrir durante a caminhada ou mesmo em combate. Além disso, a fivela de latão brilhante era um elemento que denunciava a presença dos militares, principalmente nos dias de muito sol. As unidades de spetsnaz soviético procuravam os cintos de lona de bombeiros – eram de uma cor ambiente e tinham fivelas confiáveis.

3. A vida nos abrigos

A questão de aquartelamento das tropas era um problema muito agudo durante quase toda a permanência do “contingente limitado” soviético no Afeganistão. Muitas vezes os soldados e oficiais viviam literalmente em abrigos de terra, reforçados pelas caixas vazias de munições. Muitos viviam simplesmente em tendas – que em condições de um clima quente e um grande número de insetos, escorpiões e cobras ainda era uma prova adicional.
As casernas mais ou menos decentes (fora dos grandes quartéis) tinham paredes erguidas do adobe, o teto era feito de alguns canos de metal, coberto com uma lona de tendas. Tudo isso tinha que ser construído pelos próprios soldados. Na melhor das hipóteses, as casernas possuíam água canalizada e eletricidade – mas nem sempre.

4. Os alimentos

Alimentação era um problema grava para todos os que serviam no Afeganistão, o fornecimento de unidades soviéticas era feito de forma muito desigual, e muitas vezes militares tinham que comer literalmente “qualquer coisa”. Por isso, participar em combates significava para os soldados achar alguma comida decente na caravana assaltada. Houve também casos em que soldados trocaram ou simplesmente roubaram alimentos da população local – colhendo melões ou desviando uma ou duas ovelhas dos rebanhos locais.
As unidades permanentes ofereciam aos militares três refeições por dia, pequeno-almoço/café da manhã, almoço e jantar – mas a qualidade de alimentos não era muito boa – um ensopado vazio ou papa/mingau líquido, na melhor das hipóteses, com a adição de guisado enlatado. De acordo com os que serviram no Afeganistão, os soldados com tempo de serviço militar de 1,5-2 anos, não vinham ao refeitório, preparando refeições de forma independente, dos itens que conseguissem obter, muitas vezes de formas ilegais.

Os militares que iam às operações de combate, ou os que estavam nos postos avançados nas montanhas, recebiam rações de combate. Estas rações eram muito diferentes das rações modernas – que contêm chocolate, bares vitamínicos, doces e café; a ração “afegã” era mais ou menos assim [os veteranos soviéticos do Afeganistão contam que as rações foram melhorados por volta de 1985-1986):
Ração de combate siviética, variante número 1
O pequeno-almoço/café da manhã consistia em biscoitos água-e-sal, carne enlatada e chá com açúcar. Biscoitos eram feitos de alguma farinha industrial, carne enlatada era em forma de guisado de carne), além disso, havia dois cubinhos de açúcar refinado (a mesma embalagem, usada em comboios/trens e aviões soviéticos, as vezes era usada a embalagem azul da companhia aérea soviética “Aeroflot”).

O almoço e o jantar eram os mesmos, exceto pelo facto de que a comida enlatada era de “carne vegetal” – isso significava que o guisado estava misturado com papa/mingau, na maioria das vezes cevadinha. Latas eram abertas ou com uma chave especial ou (mais frequentemente) era usada a baioneta convencional. No Afeganistão, os militares soviéticos sentiam uma grave falta de vitaminas, verduras e frutas – muitos recrutas, em um ou dois anos de serviço tiveram problemas sérios de dentes.

A URSS entrou na guerra de Afeganistão bastante despreparada, sem perceber, muito bem, para que se meteu no conflito local – os dinossáurios do Politburo tomaram a decisão e o país gastou milhões de dólares e perdeu, apenas como mortos, mais de 15.000 jovens. Uma geração inteira foi marcada, para sempre por este “Vietname soviético”...

Fotos @Internet | Texto Maxim Mirovich e [Ucrânia em África]

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